O site Elencos está com uma novidade. Trata-se do quadro Debates do Futebol, que consiste em, como o próprio nome indica, deliberar sobre assuntos atemporais do futebol. O primeiro assunto abordado será o famoso e polêmico pênalti ‘cavadinha’, que voltou à tona após o episódio Robert Renan.
Talvez você esteja lendo este texto muito no futuro e sequer lembre do que aconteceu, mas com certeza será mais difícil de apagar da memória se for um colorado. No segundo jogo da semifinal do Campeonato Gaúcho entre Internacional e Juventude, Robert Renan cobrou um pênalti de ‘cavadinha’ e desperdiçou.
A tentativa do zagueiro foi frustrada pela falta de força que colocou na bola, tanto que Gabriel Vasconcelos, goleiro do Jaconero, teve tempo de voltar e agarrar a bola após ter inclinado o corpo para o lado contrário. A cobrança no mínimo inusitada do atleta, em seguida, rendeu a queda do Saci para o adversário nas penalidades.
Era a sétima cobrança, portanto, estava nas alternadas e a equipe de Caxias do Sul levou a melhor por 6 a 5. No tempo normal, os times ficaram no empate em 1 a 1, no Estádio Beira-Rio, sendo que no jogo de ida também haviam empatado, no Alfredo Jaconi, mas em 0 a 0, o que forçou as penalidades. Na saída de campo, Robert Renan estava aos prantos, enquanto era consolado pelos companheiros, e dias depois assumiu o erro.
– Não vai ser com um pedido de desculpas que o meu erro será apagado. Mas o primeiro passo é pedir desculpas à torcida colorada, ao grupo de jogadores, à comissão técnica e aos funcionários. Prometo manter meu profissionalismo no dia a dia para ter a chance de me recuperar com todos. Estou muito triste pelo que aconteceu e por ter decepcionado o clube. Em nenhum momento quis faltar com respeito ou fazer brincadeira. A única coisa que posso fazer neste momento é trabalhar muito, treinar cada vez mais forte e tentar reconquistar o carinho de toda a torcida, que sempre me tratou da melhor forma desde o primeiro dia que estive aqui. Peço que considerem esse pedido, pois vou dar a volta por cima. Sou jovem e tenho muito a aprender. Assumo a responsabilidade, assumo o risco! Como sempre foi na minha vida, eu sou assim, e voltarei mais forte.
Robert Renan
Não foi a primeira vez
Mas se engana quem acha que foi a primeira vez da tentativa ousada do garoto. Na decisão da Supercopa da Rússia de 2023, Robert Renan fez o gol do título do Zenit sobre o CSKA com uma ‘cavadinha’, também mirando o lado esquerdo, mas na ocasião conseguiu colocar mais força. Com isso, uma conclusão que pode ser tirada é que se trata de uma característica do atleta, com personalidade, mas quem disse que torcedor quer saber disso quando dá errado, não é mesmo?
Pato x Dida
O episódio envolvendo o jovem zagueiro reviveu na internet o marcante caso de Alexandre Pato, ironicamente, que também aconteceu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. À época, em 2013, o atacante defendia o Corinthians e era a contratação mais cara da história do clube, ainda sem conquistar a Fiel.
Estava em jogo uma vaga na semifinal da Copa do Brasil de 2013, contra o Grêmio. Os times empataram sem gols no jogo de ida, no Estádio do Pacaembu, placar que se repetiu na volta, na Arena do Grêmio, o que forçou as penalidades. O triunfo ficou com os donos da casa por 3 a 2 nas cobranças, uma delas defendida sem dificuldade por Dida após cobrança bisonha de Pato.
Depois do ocorrido, a relação do atacante com a torcida se perdeu na revolta e mais tarde resultou na sua saída do Parque São Jorge, a princípio emprestado ao rival São Paulo. Depoimentos nos anos seguintes de ex-companheiros relataram uma revolta no vestiário corintiano com a forma que bateu o pênalti. Em 2024, durante participação no podcast Flow Sport Club, Pato garantiu que treinou desse jeito e não fez de ‘sacanagem’.
– O Corinthians me deu tudo o que eu precisava. E eu entreguei tudo o que precisava, até o pênalti. Na segunda, terça e quarta eu treinei assim. Eu falava para o Cássio, Danilo e Walter que eu ia bater assim. Sabia que o Dida é grande, vai se esticar, mas a bola vai passar. Na hora que vai indo, no campo, não queria que chegasse nos pênaltis, na hora que pego na bola pensei em fazer aquilo que treinei. Se trocar aqui, poderia dar ruim. Na hora que vou cavar eu erro a força, a bola sai fraca. Ele foi, mas não foi e dava tempo de voltar e ficar em pé. A minha cavada foi errada. Sei que a minha decisão causou muita tristeza e revolta, mas uma coisa que falo de coração é que nunca foi sacanagem.
Alexandre Pato
Muito LOCO Abreu
Pênalti ‘cavadinha’ também lembra a quem? Loco Abreu. O atacante uruguaio, ídolo do Botafogo, tinha como característica cobrar penalidades de forma ousada e costuma ter êxito, embora nem sempre. O curioso sobre o centroavante é que cobrava dessa forma em momentos decisivos, desde final de Campeonato Carioca até quartas de final de Copa do Mundo.
Abreu ganhou notabilidade no futebol brasileiro por esses dois casos citados, contra o Flamengo, em cobrança de ninguém menos que Adriano Imperador, e diante da Seleção de Gana, na disputa de pênaltis. Nas duas ocasiões o atacante acertou e são lembradas de forma positiva, mas nem sempre entrava. Um erro famoso foi quando Diego Cavalieri, do Fluminense, defendeu uma tentativa e ainda esnobou o uruguaio.
Considerando o histórico, pode-se chegar a conclusão que era o estilo de Loco Abreu, e não uma forma aleatória de enfeitar demais ou esnobar o adversário. Afinal, não foi à toa que o centroavante foi apelidado de ‘Loco’, ou ‘Louco’ em português. Mesmo não tendo dado certo em algumas ocasiões, ele seguiu tentando e se tornou uma marca na sua carreira.
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Goleiro Clemer ousado em goleada
Um caso que pode se aproximar mais com uma espécie de esnobo ou provocação ao oponente teve relação com os dois primeiros times citados, Internacional e Juventude. Na ocasião, ninguém menos que Clemer, goleiro e ídolo colorado, cobrou um pênalti ‘cavadinha’ na goleada por 8 a 1 do Inter sobre o Jaconero na decisão do Campeonato Gaúcho de 2008.
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Alguns fatores que envolvem o contexto do confronto podem apontar para um sentido mais provocativo, como naquela altura o Colorado já estar com o placar favorável de 7 a 1, nos acréscimos do embate, diante do Beira-Rio lotado, e o fato de o arqueiro não ser um batedor de pênalti. O atleta marcava ali seu primeiro e único gol com a camisa do Internacional, o segundo na carreira.
O primeiro gol de Clemer também saiu em cobrança de pênalti, mas na ocasião bateu de uma forma tradicional, no canto esquerdo do goleiro da equipe adversária. Um fator curioso é que na partida em questão, seu clube, a Portuguesa, também marcou oito gols e goleou o Kaburé-TO pelo placar de 8 a 0, no Estádio do Canindé, pela segunda fase da Copa do Brasil de 1997.
Marcos se recusou abater pênalti
Se de um lado Clemer aceitou cobrar a penalidade no cenário de goleada, Marcos, goleiro pentacampeão mundial com a Seleção Brasileira, não quis pelo Palmeiras. O episódio aconteceu em 2011, quando o Alviverde goleava o Avaí por 4 a 0, Lincoln sofreu pênalti e aproximadamente 10 mil palmeirenses presentes no Estádio do Canindé gritaram o nome do ídolo para cobrar, os companheiros aderiram, ele chegou a indicar que iria, mas desistiu.
– Eu estava doido para bater, mas achei que não era o momento, não ia mudar nada eu cobrar. Se fosse lá, o Felipão até iria aceitar. Mas havia um menino do outro lado (Aleks), que está começando a carreira e já tinha levado quatro. Iria parecer que estava pisando. Eu não sairia satisfeito. O Rogério é batedor oficial, bate pênalti com goleada, empate ou derrota. Hoje não haveria motivo para mudar o batedor. Se eu terminar a carreira sem gols, não vai mudar nada, não vou ficar chateado.
Marcos
O pedido da torcida naquela altura, no entanto, tinha um motivo especial. O ídolo vivia seu último ano de carreira e os torcedores viram o pênalti e o possível primeiro gol na carreira como uma homenagem a Marcos. O pedido não foi atendido, mas o Palmeiras ainda anotou o quinto com a cobrança certeira de Kleber Gladiador. A partida era válida pela quinta rodada do Campeonato Brasileiro de 2011, e o resultado deixou o Verdão na vice-liderança.
Em final de Copa, Zidane?
De volta aos jogadores de linha, outro caso que merece lembrança é o de ninguém menos que Zinédine Zidane. A lenda francesa cobrou pênalti ‘cavadinha’ em plena final de Copa do Mundo, contra a Itália, na edição de 2006, disputada na Alemanha. O jogo estava ainda no começo, com o 0 a 0 no placar, e o meio-campista atentou diante de Gianluigi Buffon. A ‘cavada’ foi forte, triscou na trave e bateu na parte de dentro do gol, mas passou perto de não entrar.
Considerando o contexto do jogo, embora já fosse consagrado com a conquista de 1998, é difícil imaginar que Zidane agiu com desleixo ao bater dessa forma com o troféu de Copa do Mundo em disputa. No fim das contas, no entanto, a Seleção Italiana chegou ao empate minutos depois, e o título foi definido na disputa de pênaltis, com a conquista Azurra. O craque, inclusive, não participou das batidas por causa da expulsão com a histórica cabeçada em Marco Materazzi, que havia anotado o gol italiano no tempo normal.
Panenka
A ‘cavadinha’ foi criada pelo atacante tcheco Antonín Panenka, que ganhou popularidade na Eurocopa de 1976, na Iugoslávia, quando superou ninguém menos que Sepp Maier, lendário alemão. A cobrança rendeu a conquista da conquista inédita à Tchecoslováquia. Foi um recurso criado pelo atleta, que escreveu seu nome na história.
Considerando os casos apresentados, a conclusão é que, normalmente, esse estilo é levado à sério por quem o arrisca, o que pode variar caso a caso, a depender do contexto e das intenções. Com certeza outros casos de pênaltis cobrados de ‘cavadinha’ surgirão futuramente, que deram certo e outros errados, o que trará o debate entre torcedores e imprensa novamente à tona.