Nascido em 18 de julho de 1892, em São Paulo, Arthur Friedenreich, ou apenas `Fried`, apelidado de `El Tigre`, filho de uma ex-escravizada com um comerciante descendente de alemães, foi um atacante de grande sucesso no futebol brasileiro no começo do século XX. Embora não seja tão citado nos tempos atuais, o artilheiro é uma das maiores lendas da modalidade em escala Mundial.
Se você não acredita, os números falam por si. O número reconhecido pela Fifa, mas questionado por pesquisadores, é que o artilheiro balançou as redes 1.329 gols em 26 anos de carreira. A efeito de curiosidade, Pelé, o Rei do Futebol, marcou 1.282 vezes ao longo da vitoriosa carreira. Entretanto, a entidade reconhece oficialmente 767, feitos em partidas tidas como oficiais, mas o contexto da época era diferente.
Se para o eterno camisa 10 já eram outros tempos, isso é ainda mais ampliado em relação a Friedenreich, que jogava na era do futebol amador, quando a modalidade ainda dava os primeiros passos no Brasil. Até mesmo para contar os gols de Arthur não foi fácil. Por exemplo, segundo pesquisa do cronista esportivo brasileiro Adriano Neiva da Motta e Silva, ou simplesmente De Vaney, na verdade, foram 1.329 partidas e 1.239 bolas nas redes. O cronista reuniu 30 mil fichas sobre futebol em 55 anos.
O número de gols reconhecido pela Fifa tem como base dados apresentados pelo jornalista Mário Viana. Ele teve como base um caderno de anotações que, teoricamente, constavam todos os gols e partidas que Arthur disputou ao longo da carreira, incluindo amistosos e partidas de exibição que o craque disputou visando arrecadar dinheiro. Vale ressaltar, novamente, que eram outros tempos, em um contexto onde o futebol não era profissional.
O questionamento de outros pesquisadores se deve ao fato de que o caderno simplesmente nunca foi encontrado. Um levantamento do jornalista Alexandre da Costa aponta um número muito mais modesto, mas que não deixa de ser incrível. Segundo ele, Friedenreich marcou 556 gols em 592 jogos, média de quase um por confronto. Entretanto, desconfia-se que o pesquisador não considerou algumas partidas sem registros de placares e marcadores que o artilheiro participou.
Clubes
Friedenreich jogou entre os anos de 1909 e 1935. O atacante surgiu no Germânia, se notabilizou pelo Ypiranga e ganhou amplo destaque vestindo a camisa do Paulistano. Os clubes citados não existem mais. Um exemplo de time conhecido por onde o craque passou foi o São Paulo da Floresta, que mais tarde seria conhecido apenas como São Paulo.
Por clubes, o artilheiro conquistou oito vezes o Campeonato Paulista pelo Paulistano, e uma vez pelo São Paulo da Floresta, além de três Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais. Fried foi artilheiro do Estadual nove vezes, recorde que obteve por 36 anos, superado apenas pelo Rei Pelé, na edição de 1965. Além disso, o atacante foi o primeiro a superar a marca de 30 gols pela competição, com os 31 anotados em 1921, isto em 21 partidas.
Pioneirismo
Friedenreich esteve nos primeiros jogos de um time brasileiro na Europa, quando o Paulistano fez uma excursão e entrou em campo 10 vezes. A equipe paulista, inclusive, não deixou a desejar e conseguiu impressionantes nove vitórias e apenas uma derrota nos confrontos. Entre as partidas, destaca-se a sonora goleada por 7×3 sobre a Seleção Francesa.
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O atacante também marcou presença no primeiro jogo da era profissional do futebol brasileiro, em 1933. Na oportunidade, Santos e São Paulo duelaram na Vila Belmiro, no dia 12 de março, e os visitantes golearam por 5 a 1. O que já não deve ser surpresa para ninguém, a primeira bola na rede do novo momento da modalidade no Brasil saiu dos pés de Arthur, aos oito minutos.
Seleção Brasileira
Arthur Friedenreich também defendeu a Seleção Brasileira por muitos anos e, inclusive, esteve na primeira partida da Amarelinha, em 21 de julho de 1914. Na ocasião, o Brasil venceu o Exeter City, time da Inglaterra, por 2×0, nas Laranjeiras, casa do Fluminense, que estava lotada com 5 mil espectadores. Os gols foram anotados por Oswaldo Gomes e Osman.
O craque esteve também no primeiro título da Seleção na história, a Copa Roca de 1914, mais recentemente batizada como Superclássico das Américas, torneio disputado somente entre Brasil e Argentina. Em jogo único, disputado em Buenos Aires, a Amarelinha venceu por 1×0, gol de Rubens Sales, e se sagrou campeã. O protagonismo da lenda viria cinco anos depois, no Sul-Americano de 1919, torneio que mais tarde seria chamado de Copa América.
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Depois de ficar em 3º lugar nas duas primeiras edições, em 1916 e 1917, disputadas na Argentina e no Uruguai, respectivamente, o Brasil alcançou a glória em 1919, jogando em casa. Para isso, a Amarelinha contou com o faro de gol de Fried, que foi um dos artilheiros do torneio ao lado do também brazuca Neco, ambos com quatro gols.
O Sul-Americano foi disputado no formato quadrangular e terminou com a Seleção Brasileira empatada com a Uruguaia, ambos com cinco pontos. A partir disso, foi disputado um jogo de desempate, no Estádio das Laranjeiras, vencido pelo Brasil por 1 a 0, gol anotado por Arthur, que sacramentou a primeira grande conquista da Amarelinha na história. Foi na campanha que o atacante foi chamado de “El Tigre”, pela imprensa uruguaia, apelido que o seguiu a partir dali.
O feito da lenda foi muito exaltado à época, embora não seja muito lembrado atualmente. O que mostra isso foi terem expostos as chuteiras usadas por ele na decisão em uma famosa joalheria no Rio de Janeiro nas primeiras décadas do Século XX, junto com joias raras, obras de arte e outros objetos valiosos, um indício do tamanho que o futebol representaria para o Brasil anos depois.
Racismo
Mais adiante, Friedenreich voltou a ser campeão do Sul-Americano, na edição de 1922, disputada novamente em solo brasileiro. Desta vez, o Brasil superou o Paraguai por 3 a 0 no jogo de desempate. Entretanto, no ano anterior, Arthur não pôde disputar o torneio, que aconteceu na Argentina, por causa de racismo vindo do Governo Brasileiro.
O presidente Epitácio Pessoa recomendou que apenas jogadores brancos representassem a Seleção Brasileira no exterior, o que foi acatado. Sem Arthur, o Brasil não fez uma boa campanha e terminou na 2ª colocação, com dois pontos, mesma pontuação dos outros derrotados, Uruguai e Paraguai, e a anfitriã se sagrou campeã, com seis somados.
Homenagem
Em campanha do Dia da Consciência Negra, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), lançou uma camisa em homenagem a Arthur Friedenreich, que foi batizada de “Camisa do Tigre”. Os artistas Djonga e Iza foram convidados para promover o lançamento, com direito a manifesto do músico relembrando o triste episódio sofrido pela lenda brasileira.
Embora vitoriosa, a passagem de Fried pela Seleção Canarinha não rendeu muitas partidas. Segundo estatística oficial do Centro de Memória e Acervo da CBF, foram 23 partidas e 10 gols anotados pelo Brasil, número que o deixa distante de grandes nomes como Pelé, com 77 gols em 92 partidas, e Ronaldo Fenômeno, com 62 gols em 99 jogos.
Além disso, o craque brasileiro foi homenageado pelo artista plástico Leandro Massai com uma obra chamada de ‘Taça do Tigre’, feita em um formato muito semelhante ao troféu do torneio. Foi uma forma de reparar, mesmo que de forma mínima, o dano à carreira de Arthur causado pela ausência no torneio.
“A arte é composta de dois signos principais: a figura de Arthur e composições que envolvem a estética do tigre. Contextualizando minha linguagem enquanto artista preto: sou reconhecido por usar muitas cores e, principalmente, pela não utilização das cores reais para representar tons de pele. Isso me ajuda a questionar questões raciais que encontramos em nossa sociedade, em que o observador não precisa ver o tom de pele de meus personagens para entender que se trata de uma pessoa negra”, disse o artista.
Copa do Mundo
Com uma carreira brilhante, Arthur, no entanto, não teve a oportunidade de jogar uma Copa do Mundo. O craque não foi chamado para a primeira edição do Mundial, disputado no Uruguai, por motivos políticos. A Confederação Brasileira de Desportos (CBD) não aceitou jogadores da Associação Paulista de Esportes Atléticos (Apea) na Amarelinha.
A CBD ficava no Rio de Janeiro e queria prestigiar os jogadores que atuavam no futebol carioca. Com isso, as entidades romperam relações, o que acabou com as chances de Fried disputar o torneio. No fim, a Seleção Brasileira ficou em 2º, com dois pontos, em um grupo com Tchecoslováquia (quatro pontos) e Bolívia (zero ponto) e não avançou à fase final.
Eternidade
Em resumo, Arthur Friedenreich foi um dos maiores da história do futebol brasileiro. Não à toa o atacante foi homenageado pela Rede Globo, batizando o prêmio dado a cada ano ao artilheiro do Brasil. A lenda pendurou as chuteiras com 43 anos, somando 26 de carreira. Tamanha longevidade na modalidade é um desafio até para os tempos modernos, imagina para aquela época.
A Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol (IFFHS) reconheceu Fried como o 5º melhor jogador brasileiro do Século XX, o 13º maior sul-americano do Século XX e o 54º maior futebolista do Século XX em escala mundial. Friedenreich faleceu em 6 de setembro de 1969, aos 77 anos, deixando um rico legado de gols e marcas que ainda impressionam, mesmo depois de tanto tempo.